. Ontem fui invadida por diversos pensamentos .
Num primeiro momento, chegando ao ato, um moço tinha quase sido preso por estar todo de preto e ter encarado os PMs, um cordão de PMs de um lado, uma porção de manifestantes, um caminhão de 25 milhões do choque, umas dezenas de P2 dentro da concentração.
1º pensamento – Vai dar merda.
Num segundo momento, a PM estava fazendo as pessoas darem a volta na Haddock Lobo para entrar na concentração, assim o direito de ir e vir já estava um pouco mais inexistente.
2º pensamento – Vai dar merda.
As bandeiras de movimentos sociais estavam levantadas, as baterias estavam mais que aquecidas. O ato estava se preparando para sair. Começou uma movimentação estranha com câmeras apostos. Era uma possível truculência inicial.
3º pensamento – Vai dar merda.
O ato começava andar, timidamente, parou. Fomos procurar um banheiro. Deu 2 minutos de sair do ato e conseguir chegar em um lugar menos cheio, a primeira bomba foi lançada.
4º pensamento – Vai dar merda!
As próximas 20 bombas foram lançadas, o lugar que estava vazio, começou a ser invadido por pessoas, que estavam tentando se proteger. A polícia estava encurralando o pessoal, era irrespirável. As pessoas estavam chorando, vinagres estavam sendo compartilhados, os olhos estavam vermelhos. Ardia, mas ardia ainda mais por dentro, por não ter acontecido nada. O ATO ESTAVA PACÍFICO, NO INÍCIO.
5º pensamento – Que cidade é essa?
Deu uma pausa, nas bombas, avistamos um prédio que estava sendo ocupado pelas pessoas, decidimos atravessar a paulista correndo até ele. De um lado estava o choque, do outro os PMs munidos de lançadores de bombas. Não dava para virar o rosto, só seguir.
6º pensamento – Estamos em um Estado de Exceção!
Quando entramos no prédio, me senti dentro de uma estufa de gás lacrimogênio, de gás de pimenta, de medo, de ódio. A solidariedade era natural, estávamos ali para nos protegermos de algo que está a serviço do medo. Era insuportável. A sensação de não possuir ar para respirar é uma das coisas mais aflitivas que tem.
7º pensamento – PRECISO DE AR!
Subimos até onde dava para respirar. Alguém disse que estavam tentando entrar no prédio.
8º pensamento – Manter a ficha limpa para concurso está a cada dia mais difícil.
Disseram que estava tranquilo, que dava pra sair. Saímos. Quando olhamos para frente, eram centenas de pessoas saindo dos prédios de mãos para o alto. Em fila indiana.
9º pensamento – NÃO SOMOS CRIMINOSOS!
Diversos gritos de “ABAIXA A MÃO” vinham, mas rostos brancos de magnésia, com olhos arregalados não conseguiam abaixá-las. Talvez fosse a primeira vez deles, talvez ninguém estivesse acreditando muito bem naquilo tudo. Era osmose.
10º pensamento – O que está crescendo dentro de todas essas pessoas?
Descemos a consolação, passamos por uma menina ensanguentada nos chão, com paramédicos ajudando ela. Diversas pessoas no entorno, olhando. A PM voltando a sua formação em fila, marchando. Nós continuamos descendo.
11º pensamento – Qual será a próxima?
Era uma legião de pessoas descendo a consolação, quase que mudas. Preocupadas com os que deixaram pra trás, se deparando com todas as ruas fechadas pela tropa de choque. Era tão nublado, tão nublado e fúnebre. Era uma espécie de morte pra democracia. Era alguma coisa que começava a fermentar.
12º pensamento – Que nome se dá para tudo isso?
Se ouvem bombas no começo da consolação com a paulista, as pessoas correm. As motos começam a descer a milhão. Parecia que não ia ter fim. O começo da legião decide entrar nas ruas do Higienópolis. Começam a descer dezenas de carros da tática. Eles iam ser encurralados dentro do bairro, ninguém ia conseguir sair!
13º pensamento – Vão começar a perseguição!
Passamos por um bar, onde o Cidade Alerta estava mostrando tudo. Um Rocam atropela um garoto para prendê-lo. Eram pequenos grupos correndo como se não houvesse amanhã. Era uma nova tática, dentre todas as outras de destruir a democracia.
14º pensamento – A que ponto eles chegaram?
Eu sei que o ponto que se chegou ontem, mostrou que há a necessidade de colocarmos em evidência tudo o que aconteceu. Foram tantas as formas de repressão. Foi um estado de medo constante. Eram tantas pessoas em pânico. Mas o que mais deixou em pânico foi a pouca quantidade de pessoas nas ruas.
CADÊ A POPULAÇÃO que quer melhoras nessas horas?
Eu sei que depois de ontem, não há como não aparecer para fortalecer os atos. Porque se estão pensando que o medo vai vencer, a gente vai com medo mesmo.
É muito mais do que 80 centavos desde 2013, é sobre os nossos direitos democráticos, sobre uma população inteira que está apática, e que não experimentou o poder da rua ainda.
Quem está com medo de verdade são eles. Medo das mais de 200 ocupações das escolas, medo dos jovens que não tão com medo de perder, medo que 2013 se repita, medo deles perceberem que estão realmente do lado errado.
Eles estavam vociferando, e não acho que vá fazer sentido na cabeça deles pra sempre, tudo isso. Sendo o trabalho deles ou não, o trabalho ele vai danificando o homem, até que ele surta ou sucumbe.
TODA E QUALQUER PESSOA É ESSENCIAL NA LUTA.
ESSE É O VERDADEIRO DIREITO A CIDADE, não isso que falaram que estávamos tendo.
Ontem foi uma experiência que eu tenho certeza que transformou quem estava lá.
15º pensamento – Saímos transformados.
Quer desafiar, não tô entendendo.
Mexeu com a população, você vai sair perdendo.
Foto de Helio Carlos Mello, para o Jornalistas Livres.